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sexta-feira, 18 de março de 2011

Onde está o meu eu?

Não sabia como tinha chegado ali, mas eu estava num lugar estranho, parecia uma rua, cercada de pessoas que festejavam: jogavam papéis coloridos para o céu, espichavam uma substância branca e espumosa sobre as outras, dançavam e cantavam felizes com roupas volumosas e cheias de enfeites. Eu estava com uma roupa daquelas (não sei porque, mas estava), com uma máscara colorida e cheia daqueles papéis que voavam por cima de todos na minha cabeça. Aparentemente eu me encaixava perfeitamente naquele lugar, mas não me sentia assim, me sentia fora de órbita. Aquela multidão me sufocava. Aquelas pessoas esbanjavam felicidade, sorriam com naturalidade umas pras outras, se abraçavam com carinho, as emoções eram recíprocas. Tudo aquilo me incomodava. O choque com aquele ambiente desconhecido e com aquelas pessoas que eu nunca tinha visto, fizera eu me esquecer de tentar colocar meus pensamentos em ordem. Parei. Tentei. Os únicos pensamentos que me vinham à cabeça eram as dúvidas que jorravam desde que me deparei naquele lugar. Então algo começou a me incomodar mais que a multidão ao meu redor: percebi que não tinha lembranças, nenhuma. Algo começou a me incomodar mais do que eu não saber quem eram aquelas pessoas que olhavam para mim com feições alegres: eu não sabia quem eu era, não sabia quem havia dentro daquele corpo estranho que eu estava vendo. Eu havia esquecido tudo que eu vivera antes de chegar ali, comecei a me sentir como um bebê, sem nenhuma história pra contar, sem nenhuma alegria pra compartilhar, estava me sentindo como num campo minado onde qualquer passo explodiria uma mina. O desespero tomou conta de mim, eu queria sair dali, fugir, correr em busca de alguma lembrança, em busca do meu eu, talvez aquela sensação de desconhecimento de tudo fosse passageira, talvez eu reconhecesse minha família se eu os visse. Comecei a correr desesperadamente, corria, corria, não conseguia encontrar o fim da rua, uma saída, quanto mais eu corria mais estrada aparecia em minha frente, e de repente aquele lugar claro e colorido foi ficando escuro e sombrio, agora era o medo que me invadia, a cada passo que eu dava escurecia mais e mais e mais, até que… acordei assustada, suando frio e tremendo. Dentre as várias reações que tive no momento, a maior foi de alívio. Tentei lembrar quem eu era, as pessoas que eu amava e as que me amavam, e também as que não gostavam de mim, tentei lembrar da minha infância, das brincadeiras, da escola, das brigas, das paixões, das dores, de todas as alegrias e sofrimentos, de todos os momentos inesquecíveis. Estava tudo ali, 15 anos de história e memória, guardados com todo o carinho dentro de mim. Fiquei satisfeita em saber que o meu eu permanecia intacto e que eu poderia caminhar tranqüila, sem medo de explodir nenhuma mina.
-Anyele Matos
Texto para o Blorkutando - Tema – 127ª semana.

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